Celular zero cresce nas escolas: mas será que proibir é o melhor caminho?

Diante do uso excessivo de aparelhos celulares pelos alunos e os problemas pedagógicos que ele desencadeia, escolas buscam formas de controlar o porte e uso em seus ambientes. Mas será que proibir é a melhor medida? Entenda.

Recentemente, uma escola na Carolina do Norte, Estados Unidos, ao perceber que alunos do Ensino Médio realizavam até nove intervalos por dia para gravar vídeos no TikTok no banheiro, apostou em uma solução não muito óbvia: retirou os espelhos dos ambientes. Os coordenadores já haviam notado que, em seus longos intervalos, os alunos usavam os espelhos para criar posts para o TikTok.

Segundo informações da WFMY, emissora de TV filiada à CBS, a escola teve uma redução drástica no número de saídas para o banheiro depois da implementação da solução. Mas por que retirar os espelhos e não os aparelhos se eram eles o problema? Porque além dos pais preferirem seus filhos com celular por questões de segurança, a própria escola se vale dos aparelhos para promover o que chamam de “cidadania digital”. Portanto, a solução foi combater as distrações causadas pelas redes sociais.

Mas o que tem acontecido? Por que tem crescido o movimento de escolas que resolveu proibir celulares dentro de suas instituições? Em julho de 2023, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), soltou um relatório onde alertava sobre o uso excessivo de telas por crianças e adolescentes citando exemplos de países onde o uso é proibido.

“Dados de avaliações internacionais em larga escala sugerem uma correlação negativa entre o uso excessivo das tecnologias de informação e comunicação e o desempenho acadêmico. Descobriu-se que a simples proximidade de um aparelho celular era capaz de distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem em 14 países”, destaca a Unesco.

Abre parênteses: quem não viu o vídeo do palestrante inglês Simon Sinek que viralizou falando da nossa reação subconsciente ao assistir alguém falando enquanto essa pessoa tem em mãos um aparelho celular? “O que acontece se eu ficar com o celular na mão enquanto falo com vocês?”, ele pergunta ao público que o assiste. “Eu não estou chegando, ele não está tocando, nada. Estou apenas segurando. Você sente que você é mais importante pra mim agora? Não, você não se sente. Há uma reação no nosso subconsciente que faz com que as pessoas que estão ao redor se sintam menos importante do que o que tenho em mãos”. Fecha parênteses.

A Unesco alerta para diversos riscos, o que incluem a distração e falta de interação humana (olha o que eu falava acima), além invasão de privacidade e da disseminação do ódio. E estes são alguns dos impactos negativos que as escolas brasileiras já têm enfrentado e que tem impulsionado o movimento “celular zero”.

Com o uso quase compulsivo por parte dos alunos, professores e coordenadores no Brasil afora têm quebrado a cabeça ao pensar na presença desses aparelhos dentro do ambiente escolar. Não é fácil decidir pela proibição, medida que pode parecer radical principalmente quando estamos falando com adolescentes do Ensino Médio. O diálogo, os debates e acertos costumam ser um aspecto importante na construção de vínculo entre alunos e educadores, e medidas como esta precisam ser muito bem construídas e conversadas dentro das instituições.

Segundo a especialista em tecnologias na educação, Mariana Orchs, existe um paradoxo na necessidade de promover a autonomia tecnológica das crianças frente às restrições amplas ao acesso a dispositivos e plataformas digitais. Embora o uso excessivo de telas seja um problema sério, proibir seu uso nas escolas impede oportunidades de aprendizado exploratório e crítico sobre tecnologia mediado por educadores. Este ambiente permite desvendar o funcionamento e o impacto social das tecnologias, incentivando a criação de alternativas.

“O objetivo da educação deve evoluir para preparar os jovens para um mundo com informações e tecnologias em rápida mudança, não apenas para o mercado de trabalho. Isso inclui entender como a mídia, o TikTok por exemplo, afeta nossas interações sociais e familiares, enfatizando a importância de envolver as famílias nesse diálogo,” afirma.

Combater o vício em telas é uma iniciativa importante para promover um desenvolvimento saudável, ao mesmo tempo, em que questionamos e propomos soluções criativas para o design tecnológico. “Remover aplicativos dos dispositivos trata apenas os sintomas, não a causa. Devemos ensinar os jovens a navegar nesses espaços de forma saudável e autônoma, preparando-os para uma convivência crítica com a tecnologia, mesmo na ausência de pais ou educadores,” finaliza, Mariana Orchs.

Opção essa da escola Vera Cruz, na zona oeste da capital. Em comunicado às famílias, a escola reconhece o crescente movimento Celular Zero nas escolas, mas reforça a escolha da instituição na promoção de “diversas situações voltadas à reflexão sobre as potencialidades e os riscos envolvidos no uso dessas tecnologias, em particular para crianças e adolescentes”.

Entre 2022 e 2023, a instituição promoveu cinco palestras com especialista e elaborou um material sobre o tema “cidadania digital” que está disponível a toda comunidade escolar. “A Escola Vera Cruz tem se empenhado para transformar as questões da vida digital de seus alunos em um assunto cada vez mais presente em todos os círculos familiares de nossa comunidade. Entendemos que as questões da vida digital devem ser objeto de constante diálogo, e de formação e orientação. Trabalhar para que os alunos tomem consciência das questões que nos atravessam; aprendam a fazer escolhas; ganhem condições de desenvolver autorregulação nas mais variadas frentes de nossa existência; e sejam cada vez mais capazes de assumir a responsabilidade sobre suas próprias vidas são parte estruturante do projeto pedagógico da Escola”, assina a equipe pedagógica.

Acesso limitado Ao analisar outros casos, é possível perceber diferenças nas formas como as escolas estão lidando com o uso do celular pelos alunos. No estado de São Paulo, por exemplo, o ano letivo de 2024 começou batendo de frente com o uso de aparelhos eletrônicos. O governo do estado já restringia o acesso a aplicativos e plataformas digitais sem fins educativos na sala de aula desde fevereiro de 2023 por meio da conexão à internet. A partir de 2024, a proibição se estende para ambientes administrativos da escola.

TikTok, Instagram e serviços de streaming estão entre os aplicativos proibidos. A medida vem em um contexto em que mais de 45% dos estudantes brasileiros relataram se distraírem por causa de dispositivos digitais em todas ou quase todas as aulas de Matemática, segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).

Vanessa da Silva, professora e coordenadora da Escola Estadual Francisco Balduino de Souza, diz que orientações sobre o uso do celular partem da Secretaria de Educação do estado. Ela relata que é difícil impedir que os alunos tragam o celular, mas que a escola pode impedir o uso dentro de sala de aula.

“Conforme os alunos foram usando mais o celular, temos queda imensa na questão da concentração. Mesmo que eles nos ouçam e guardem o celular, a gente percebe que os transtornos relacionados à falta de concentração só aumentam”, aponta Vanessa. Ela cita outros problemas como ansiedade e bullying no ambiente virtual.

Sendo a escola um ambiente de formação, há outros fatores que apontam para uma incompatibilidade entre o aprendizado e o uso de aparelhos eletrônicos. “Os estudantes não conseguem compreender muito bem a necessidade de observar o cumprimento de protocolos sociais que envolvem respeito e empatia no mundo virtual”, diz Vandré Teotônio, coordenador do fundamental II e EM

Nesse sentido, a discussão se dá em nível internacional. A Holanda foi outro país que recentemente anunciou a proibição de celulares, tablets e relógios inteligentes nas salas de aula. Na Inglaterra, o secretário de educação baniu totalmente o uso de aparelhos por qualquer faixa etária.

Proibição é o caminho? No colégio Oswald de Andrade, o caminho adotado foi este. A partir do ano letivo de 2024, celular só é permitido guardado na mochila ou no armário. Na sala de aula, a proibição é estrita em uma “regra quase autoritária”, definiu a coordenação.

“O trabalho proposto pela sala de aula é essencialmente analógico, é o pensamento e o corpo que estão ali. Os estímulos que vêm de fora instauram um tempo de atenção que atrapalha a aprendizagem e retira as pessoas da cena”, diz Laura Nassar, coordenadora do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio.

No entanto, há espaço para conciliação. Os educadores reconhecem que o uso de dispositivos eletrônicos e de redes sociais é massificado lá fora. Principalmente após a pandemia, quando, mais do que nunca, a realidade passou a ser mediada por telas. Por isso, o caminho encontrado é instruir os alunos para o uso saudável desses recursos que a tecnologia oferece.

No colégio Oswald de Andrade, por exemplo, o celular só é aceito para fins pedagógicos. Além de reflexões sobre os impactos do uso da internet na sociedade, a escola também se apoia nas ferramentas práticas trazidas pela tecnologia. É o caso de enquetes, programas de edição de vídeo, bases de dados e leituras online. “Muito do que é feito na escola hoje pode passar pelo digital, cabe à escola decidir o que vai para o digital e o que fica mais no analógico”, explica Laura.

Apesar de autorizar o celular somente em horários de intervalo e descanso, o colégio Giordano Bruno também encontrou espaço para abordar a tecnologia de forma propositiva: “Em relação aos estudantes, notamos que a abordagem da educação digital tem surtido efeito muito mais eficiente se comparado à proibição. O modo como o jovem utiliza facilita o acesso a ele para que eles tenham uma autocrítica”, diz Vandré Teotônio.

Entre aqueles que trabalham diretamente na área, foi consenso que as decisões dependeram de muita observação e discussão. De forma geral, tanto a família quanto os próprios alunos entenderam a importância das restrições.

Para Daniel Helene, coordenador do fundamental II da escola Vera Cruz, o uso do celular aumentou com o passar do tempo. Isso impactou na forma que os pais perceberam o tema: “Ao longo do tempo, parece que aumentou a consciência social sobre os riscos e dramas reais envolvidos com os celulares na vida mais ampla, essa tomada de consciência também é das famílias”, ele diz lembrando que a escola e a família devem trabalhar esse tema com os mais jovens.

“É importante que a escola desenvolva um currículo de tecnologia consciente, que garanta aprendizagens fundamentais. Nem todas essas aprendizagens dependem de o aluno ter celular, mas a escola também precisa se organizar”, diz Daniel.

Fato é que chegamos num ponto em que perdemos o controle – se é que um dia tivemos – e a proibição, apesar de impositiva, parece ser uma solução importante neste momento em que o uso precisa ser contido e as relações sociais precisam ser retomadas. Como fazer isso se a todo momento temos um celular na mão ou em cima da mesa? Como reaprender a olhar nos olhos do outro e escutá-lo, ter uma conversa?

Talvez neste primeiro momento, a proibição seja uma forma de contenção importante. Algo como “para tudo e vamos começar de novo”. Em meio ao cenário em que todos – todos – estamos aprendendo a lidar e a nos livrar do vício, pode ser um caminho. Veremos – e oremos.

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